Adequação à agenda ESG pelas empresas e o mito da perfeição

A definição de perfeição no dicionário de língua portuguesa é “condição ou estado que não apresenta falhas, incorreções ou defeitos; qualidade do que é perfeito”, ou seja, não há espaço para erros. Costuma-se esperar isso das pessoas e das empresas, esquecendo que o erro é uma das maiores fontes de aprendizado.

Podemos aprender com o erro dos outros, entendendo como determinada falha aconteceu e fazer a devida gestão para evitar que aconteça conosco. Quantas empresas, auditorias, bancos estão revisitando os instrumentos contábeis para garantir que não há nenhuma inconsistência após o escândalo da Americanas? Por outro lado, esperamos que os gestores da empresa em questão estejam refletindo sobre as consequências das decisões tomadas e não as repitam, demonstrando que a situação serviu de aprendizado (não ignorando as eventuais punições após a devida investigação).

O fato é que sempre é possível melhorar após passar por uma situação adversa. No entanto, o que temos visto na sociedade atual é uma postura punitivista que acaba impondo barreiras à inovação. É claro que não devemos tolerar o intolerável, permitindo que ele se perpetue. No entanto, precisamos aceitar que mesmo as empresas com histórico socioambiental negativo ou pouco transparentes e confiáveis, podem e devem mudar.

A exigência por parte do mercado consumidor é um grande incentivo para que as companhias se preocupem com a agenda ESG. Pesquisas [1] indicam que a maioria dos consumidores tendem a considerar a sustentabilidade no processo decisório da aquisição de um produto/serviço. Além disso, o crescimento da cultura do cancelamento corporativo é um fator preocupante para os gestores. É certo que grande parte das estratégias ESG estão pautadas no ganho e manutenção da reputação corporativa.

Dito isso, vê-se a crescente vigilância sobre as ações e estratégias divulgadas pelas corporações. É preciso estar atento para “agir conforme divulga” sob pena de perda de reputação corporativa. Entretanto, falta padronização definitiva sobre os critérios, incentivos e sanções para a implementação ou não do ESG pelas organizações e mercado financeiro. A inexistência de regulação específica, como em qualquer área, traz consigo insegurança e pode se tornar mais uma barreira de entrada para a agenda.

Diante da necessidade, em um movimento de “autorregulação”, rankings e ratings foram criados para estabelecer padrões que servissem para que consumidores e investidores pudessem avaliar as práticas das companhias. É difícil haver consenso entre os rankings, de forma que a incerteza – apesar de minorada – permanece. É preciso criar uma base sólida de confiança pautada na transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Tais princípios, que são a fortaleza do “G” da sigla, devem ser observados tanto pelas empresas quanto pelas entidades responsáveis pela avaliação/certificação.

Anualmente, durante o Fórum Econômico Mundial, divulga-se o ranking global das 100 empresas mais sustentáveis do mundo. Acabamos de ter visibilidade da lista de 2023, e a principal novidade é que os recursos financeiros — finalmente — estão chegando às empresas focadas na transição para operações, serviços e produtos mais sustentáveis.

Pesquisas demonstram que para cada tonelada de carbono produzida, as empresas listadas no Global 100 faturam 33 vezes mais que as listadas no MSCI ACWI (Morgan Stanley Capital International All Country World Index)[2]. Confirma-se, então, que a estratégia focada na melhoria de produtividade em relação aos recursos naturais utilizados é rentável.

Ainda assim, temos visto a polarização do debate envolvendo estratégias ESG, algumas empresas ignoram a agenda, outras fingem que cumprem e, mais recentemente, assistimos ao boicote ao ESG pelo Poder Legislativo de alguns estados norte-americanos. A indefinição sobre o que compõe a sigla costuma gerar confusão, expectativas desalinhadas com a realidade e — em sua última instância — torna mais fácil praticar washings. A cada escândalo envolvendo uma empresa dita sustentável, percebemos redução na confiança do mercado sobre a efetividade das ações.

A grande questão é: como garantir que as empresas tenham espaço e segurança para se adequarem às novas exigências?

Primeiramente, as companhias devem entender o que é ESG, o que é relevante para o seu setor, como afeta e é afetada por questões sociais, ambientais e climáticas e ter instrumentos de governança efetivos. É fundamental definir metas e se comprometer com elas, entendendo que a mudança de paradigma dificilmente acontece no curto prazo.

Em segundo lugar, é preciso ter coesão na estratégia: não adianta desenhar um excelente projeto ambiental, mas descuidar dos colaboradores. O ESG impõe que todos os temas sejam tratados de maneira conjunta, sob o risco de não conseguir alcançar a reputação e os impactos pretendidos. Todavia, há quem defenda que dada a urgência e relevância em solucionar os problemas climáticos, essa agenda deveria ser analisada separadamente. Nesse caso, considera-se que empresas que tenham outras limitações — considerando o social e a governança — ainda pudessem acessar os instrumentos destinados às soluções ambientais e climáticas.

Por fim, conquistar a confiança do mercado é imprescindível. A demonstração — por meio de uma boa comunicação, embasada em dados confiáveis — de que há o comprometimento necessário para cumprir a agenda assumida. É imperioso reportar os avanços, mas também informar o que não funcionou, já com a rota redesenhada. São muitos os profissionais que consideram ESG sinônimo de gestão de riscos, uma vez que envolve a análise dos riscos e a elaboração de planos para mitigá-los.

Empresas, assim como pessoas, não são perfeitas. Estamos em constante evolução e precisamos entender que toda mudança e quebra de paradigma exige a paciência da transição. Algumas companhias mudarão em função de imposições legais, outras observam as tendências e oportunidades do mercado e há aquelas que já nascem com esse propósito intrínseco. O importante é garantir que, no final, tenhamos um mundo corporativo que esteja alinhado com o desenvolvimento social, ambiental e climático.

Clara Souza Garcia Saar é advogada do escritório Nepomuceno Soares, membro do Comitê de Impacto Social da Fundação Dom Cabral e embaixadora do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.

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