Recentemente, em um dos muitos webinares sobre a temática ESG ouvi a seguinte frase: “Não podemos agir de forma punitiva com os fornecedores que descumprem regras — por exemplo: os que adotam trabalho infantil — nosso papel é ajudar a capacitar para que tais atos não sejam cometidos”. É preciso dizer que não se trata do exercício laboral infantil artístico autorizado pelo Estatuto da Criança e Adolescentes, mas de atividades que podem colocar em risco direitos inerentes às crianças e aos jovens.
O artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal proíbe o trabalho para menores de 16 anos, com exceção da condição de jovem aprendiz, válida após os 14 anos, sendo assim, qualquer prática divergente do previsto na Carta Magna brasileira e reforçada pelo artigo 403 da CLT, é considerada ilegal. Ainda tramita nos órgãos legisladores brasileiros, um projeto de lei que criminaliza o ato. Há, entretanto, consenso mundial de que o trabalho infantil é uma grave violação dos direitos humanos e dos direitos e princípios fundamentais no trabalho, sendo uma das pautas prioritárias da Organização Internacional do Trabalho.
Quando se fala sobre o pilar social do ESG, estamos falando de como os negócios se relacionam de maneira justa, transparente e respeitando os interesses das partes interessadas, como: colaboradores, clientes, fornecedores e a sociedade, observando princípios básicos de direitos humanos e de trabalho.
Nesse sentido, questiona-se, qual é o papel da companhia em relação à gestão empresarial de seus fornecedores? Qual é o limite quando se pensa em elementos externos ao controle? Esses questionamentos aliados aos diversos casos controversos de fornecedores ao redor do mundo ressalta a necessidade da busca por empresas que atendam critérios éticos e responsáveis.
Em alguns casos, o cancelamento de um contrato de fornecimento entre empresas é causa de prejuízos financeiros podendo levar, inclusive, ao fechamento da operação do fornecedor. Dessa forma, algumas pessoas avaliam que o prejuízo socioeconômico decorrente de uma eventual punição por má conduta possa ter piores consequências que a conduta em si, o que demanda uma análise caso a caso por parte da empresa contratante, sopesando os danos causados a ela e aos demais stakeholders.
É imprescindível que as empresas tenham uma boa gestão de risco para mapear quais são as condutas que causam mais danos à companhia, não desconsiderando o risco reputacional causado por uma ação prejudicial aos direitos humanos. Vale reforçar que a questão humanitária está se tornando tão relevante no contexto empresarial que a própria atualização do GRI (Global Reporting Indicators) incluiu os impactos aos direitos humanos como um dos propósitos do relatório, que é um dos principais indicadores de impacto da atualidade. Além disso, a Resolução 59 da CVM, que entrará em vigor em janeiro de 2023, passou a exigir que as empresas de capital aberto apresentem no Formulário de Referência os riscos causados pelos fornecedores, reforçando a importância dessa relação para a tomada de decisão pelos investidores.
Os consumidores, investidores e sociedade estão em comum acordo de que as empresas devem se responsabilizar pelos impactos positivos e negativos que suas operações causam e acompanham cada movimento realizado. As empresas que estão habituadas a fazer “social washing” e utilizar subterfúgios legais para atuar de maneira incompatível com os direitos humanos terão que se adequar para garantir que não sejam colocados à margem do mercado, perdendo reputação, valor financeiro, investimentos e mercado consumidor.
Clara Souza Garcia Saar é advogada do escritório Nepomuceno Soares, membro do Comitê de Impacto Social da Fundação Dom Cabral e embaixadora do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.