Maior participação no setor jurídico favorece combate à violência
A Lei Maria da Penha completou 17 anos de vigor em 7 de agosto. Desde sua concepção, elevou-se a um símbolo do combate à violência contra a mulher, ao mesmo tempo em que escancarou todas as vísceras de uma sociedade ainda inerte, para não dizer alheia, às dezenas de milhares de casos de agressões e feminicídios que ocorrem todos os dias no país.
Aliás, os números deixam evidente que os agressores dão à lei o mesmo tratamento que dispensam às mulheres. É o que aponta uma pesquisa realizada em 2022 pelo Instituto Datafolha, a pedido da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública. As conclusões foram de que todas, absolutamente todas as formas de violência contra a mulher, aumentaram no Brasil no ano passado.
Os dados doem na carne: em 2022, cerca de 50 mil mulheres sofreram algum tipo de violência por dia. As mulheres pretas são as principais vítimas: 48% delas já foram submetidas à violência, ao passo que o cenário geral indica que 33% das mulheres brasileiras têm ou já tiveram um algoz que as tratavam como um bem material.
Um ponto relevante a se destacar é que os dados incluem também a violência psicológica, um tipo de dano que nem todos enxergam na Lei Maria da Penha. Ainda que esteja mais associada às agressões físicas, a lei tem o mérito de trazer em si não apenas as vias de fato, mas também os abusos em forma de palavras, que machucam tanto quanto os maus-tratos escritos em cada hematoma.
Assusta ainda o fato de que as agressões às mulheres parecem ser algo comum não apenas no Brasil. Os números globais da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que essa é a realidade de 27% das mulheres de todo o mundo. Ou seja, as brasileiras ainda estão mais sujeitas à violência, embora tenham como escudo uma legislação bastante avançada. A questão é exatamente esta: se existe a lei, o que falta para traduzi-la na queda da violência?
Faltam mulheres! Não nas mãos dos agressores, evidentemente, mas nos corredores dos fóruns e tribunais, atuando na defesa jurídica de vítimas de violência. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no fim do ano passado havia no país pouco mais de 1,3 milhão de advogados no país, dos quais 667 mil eram mulheres, e 642 mil, homens. Já o Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que, em 2021, havia 18.035 magistrados no Brasil. Desse total, apenas 38% eram mulheres.
Portanto, muitos dos advogados, promotores e juízes que atuam nos casos que envolvem a Lei Maria da Penha são homens que naturalmente não têm domínio de sensibilidade suficiente para incorporar a compreensão do que é ser uma mulher vítima de violência. É necessário engajarmos na luta para que um número maior de advogadas e magistradas, que entendem melhor a real dimensão do problema, estejam à frente dessas ações.
A quantidade de agressores dispostos a desafiar a lei compõe uma horda tão imensa, que exige que tratemos os casos nas instâncias legais não mais com a superficialidade de uma mera ação penal, mas apelando para abordagens que instiguem os magistrados a se comover com profundidade por meio dos relatos dos abusos.
As mulheres precisam de mais mulheres em sua defesa, mas, no âmbito jurídico, esse cenário é hoje tão defasado que chega ao ponto de não ser incomum o agressor fazer-se de vítima, e a mulher tornar-se apenas uma companheira ingrata. Só quem vive na pele a dor da violência é capaz de descrever o que significam os abusos, e apenas as mulheres vêm manifestando a rigor a indignação que deveria ser de toda a sociedade. Infelizmente, ainda não é.
Cristiana Nepomuceno é advogada especializada no direito da mulher e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados Associados